Não
é raro encontrar quem pense que os Santos Anjos estão sempre
desocupados, e passam a eternidade tocando langorosas harpas, distraídos
de tudo quanto lhes circundam...
Triste
apreciação sobre estes espíritos abrasados de amor a Deus, e repletos de
zelo por sua causa! Segundo São Roberto Belarmino, podemos deduzir das
Sagradas Escrituras cinco principais ofícios que Deus confiou aos Santos
Anjos:
O primeiro ofício
O primeiro deles, e o mais importante de
todos, é cantar continuamente louvores e hinos ao Criador. Isso pode
parecer confirmar a teoria que acima condenamos. Porém, nós homens,
tantas vezes levados pela agitação e corre-corre da vida
moderna,
não sabemos dar o devido valor a Deus, e por isso menosprezamos o culto
que lhe devemos. Longe de ser um ato daquilo que se costuma
erroneamente chamar de "beatério", o culto que os Anjos prestam a seu
Criador é como uma labareda cuja mais lídima faísca seria suficiente
para abrasar o universo. É-nos difícil compreender essa sublime
realidade, mas imagine, caro leitor, que fosses chamado a cantar um hino
de louvor ao Papa. Consideraríeis isso um ato de "beatério", ou uma
honra suprema? Assim, compreendemos em quanta estima Deus tem essa
função, à qual destinou não os menores, mas os Anjos mais sublimes.
Ouve Isaías: "Vi o Senhor sentado sobre
um alto e elevado trono, e as franjas do seu vestido enchiam o Templo.
Os Serafins estavam por cima do trono; cada um deles tinha seis asas;
com duas cobriam a sua face, e com duas cobriam os pés, e com duas
voavam. E clamavam um para o outro, e diziam: Santo, Santo, Santo é o
Senhor Deus do exércitos toda a terra está cheia de sua glória". (Is. 6,
1-3)
"Tu os vês velarem a face e os pés, o
que é sinal de grande respeito, como se não ousassem fixar o olhar na
face de Deus, nem lhes mostrar os pés. Tu os vês voarem continuamente
enquanto cantam o que demonstra o seu grande amor a Deus e o desejo de
se aproximarem cada vez mais d'Ele."[1]
Vemos que para agradar o "Senhor dos
exércitos" são necessárias essas duas virtudes: o amor e a veneração.
Através do cântico os Anjos manifestam sua caridade; velando
respeitosamente a face e os pés demonstram respeito, temor e veneração.
"De quanta veneração Deus é digno, se os
supremos Príncipes do Céu, que sempre o assistem e sempre vêem a sua
face, nem pela tão grande elevação de seu grau, nem por tão longa
convivência com Ele, ousam jamais negligenciar o temor e a veneração que
lhes devem, enquanto cantam os seus louvores.
"Que responderás tu, pó e cinza, quando
no dia do Juízo, fores acusado de sonolência, e de distração numa ação
tão divina, a que não eras digno de ser chamado? Aprende pelo menos para
o futuro instruído por tão insigne exemplo, a incitar-te, a cantar ao
teu Deus os devidos hinos de louvores, com temor e tremor, com atenção e
vigilância, com amor e desejo."[2]
O segundo ofício
O segundo consiste em apresentar a Deus
as preces dos homens, e de interceder por eles. Isso atesta-o claramente
a Escritura: "Quando tu oravas com lágrimas, e enterravas os mortos, e
deixavas o teu jantar, eu [São Gabriel] apresentei as tuas orações ao
Senhor". (Tob. 12,12) E no livro do Apocalipse São João descreve uma
visão na qual um Anjo portava um turíbulo de ouro à espera do incenso,
que eram as orações dos Santos, a fim de oferecê-lo a Deus. (Cf Ap 8,3)
Que grande gesto de bondade ter-nos Deus
estabelecido tão poderosos intercessores. Não satisfeito em enviar
Profetas que nos exortassem, e até mesmo seu próprio Filho Unigênito
para nos redimir, quis ainda constituir aos Anjos como
veículo para fazer chegar ao Criador nossas orações.
Qual não deve ser nossa confiança e
abandono nas mãos desses guardiães? Não apenas zelosos em cumprir este
ofício por ser vontade de Deus, fazem-no por amor a nós que somos, na
ordem da graça, seus irmãos e coerdeiros da mesma bem-aventurança,
destinados a vivermos juntos por toda eternidade.
O terceiro ofício
O terceiro é o de anunciar aos homens os
assuntos mais importantes de Deus, como o é a redenção e a salvação
eterna. Com efeito assim fala o Apóstolo na sua Epístola aos Hebreus:
"Não são, porventura, todos eles (os Anjos) espíritos ministradores,
enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?" (Hb
1,14)
Foi um Anjo que anunciou a Zacarias o
nascimento do Precursor: "Eu sou Gabriel, aquele que está diante de
Deus, e fui enviado para te falar e anunciar esta Boa-Nova." (Lc 1,19) E
à Virgem Maria anunciou o maior de todos os acontecimentos havido na
história da humanidade: "Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por
Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com
um homem chamado José, da casa de David; e o nome da Virgem era Maria.
Disse-lhe o anjo: ‘Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus.
Conceberás no teu seio e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de
Jesus. Ele será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus
vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa
de Jacob e o seu reinado não terá fim.'" (Lc 1,26-27,30-33)
Poderíamos ainda citar muitos outros
episódios: após a ressurreição do Senhor, às mulheres que estavam no
Sepulcro, (Mt 28, 2-5) e depois da Ascensão, a todos os seus Discípulos.
(At 1, 10-11)
"A razão por que Deus, que está em todo
lugar, e pode por si mesmo falar facilmente ao coração dos homens, quer
todavia mandar Anjos, é, ao que parece, para que os homens saibam que
Deus tem cuidado das coisas humanas, e que é para eles que governa e
dirige o universo.
"Além disso, os homens poderiam julgar
facilmente, às vezes, que suas inspirações divinas não eram senão seus
próprios pensamentos, ou fruto de sua própria imaginação. Mas quando
vêem, ou ouvem que Anjos são mandados por Deus, e que aquilo que esses
Anjos predizem acontece pontualmente como haviam dito, não podem duvidar
de que a providência de Deus governa as coisas humanas, e dirige e
dispõe particularmente aquelas que concernem a salvação eterna dos
eleitos."[3]
O quarto ofício
O
quarto ofício angélico é de proteger os homens. Isso pode dar-se
individualmente ou em conjunto. "Aprouve à imensa bondade de Deus nosso
Pai, confiar aos seus potentíssimos servos a fraqueza dos mortais, a fim
de que cuidem deles como os preceptores das crianças, os tutores do
seus pupilos, os advogados de suas partes, os zagais da suas ovelhas, os
médicos dos doentes, os defensores dos seus protegidos, ou como os
protetores daqueles que são incapazes de se defender se não se abrigarem
debaixo da asas dos poderosos."[4]
Assim o testifica David quando diz:
"Mandou aos seus Anjos acerca de ti, que te guardem em todos os teus
caminhos." (Sl 99,11) O próprio Cristo, sempre verdadeiro, atesta-o:
"Olhai, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos
digo
que os seus Anjos nos Céus vêem sempre a face de meu Pai, que está nos
Céu." (Mt 18,10) São João, no Apocalipse, menciona o Anjo da Igreja de
Éfeso, o Anjo da Igreja de Esmirna, e também os Anjos de outras Igrejas.
(Cf Ap 2, 1-8)
"De modo que em cada Nação há dois
Chefes: um visível, homem, e um invisível, Anjo; e em cada Igreja dois
são os Bispos: um visível, homem, e um invisível, Anjo; e na Igreja
Católica Universal há dois Sumos Pontífices, estabelecidospor Nosso
Senhor Jesus Cristo, um visível, homem, e um invisível, Anjo, o qual
acreditamos ser o Arcanjo São Miguel, venerado primeiro como protetor
pela Sinagoga dos Judeus, e venerado agora pela Igreja dos Cristãos,
como seu protetor."[5]
Que dizer da ingratidão de desprezar
semelhante auxílio? Temos um Anjo designado por Deus para nos custodiar
ininterruptamente e fazemos pouco caso?... Como extraviar-se das sendas
da virtude tendo ao nosso lado, e sempre à nossa disposição, um tão
admirável Conselheiro? Como desanimar e desistir de recorrer ao auxílio
sobrenatural em nossas contrariedades e fracassos, e, helás, até mesmo
pecados e vícios, quando temos alguém disposto a nos escutar e curar as
feridas de nossa alma? Oh terrível julgamento nos aguarda se não
mudarmos nossa conduta com nosso celeste Guardião! Não teremos o que
alegar diante do Juiz, pois que deu-nos a mais excelente proteção, o
Conselheiro mais sábio e o Protetor mais perspicaz para guardar-nos.
O quinto ofício
"É de serem soldados, ou chefes armados para tomarem vingança da nações e repreenderem os povos. (Sl 149, 7)
"São esses Anjos que queimaram com o
fogo e o enxofre as cidades infames (Gn 19,24); que mataram todos os
primogênitos do Egito (Ex 12, 29); que prostraram muitos milhares de
Assírios com um só golpe (IV Reis, 19,35); serão esses Anjos que no
derradeiro dia separarão os homens maus, dos justos, e os lançarão no
fogo ardente do inferno. (Mt 13, 41, 42)
"Amem, pois, os homens piedosos seus
concidadãos os santos Anjos; tremam os ímpios diante do poder dos Anjos,
Ministros da cólera de Deus Onipotente, de cujas mãos ninguém poderá
livrá-los."[6]
[1]São Roberto Belarmino, Elevação da mente a Deus pelos degraus das coisas criadas, Nono degrau, Capítulo VI .