Aturdido e sem rumo, Barrabás caminha pelas ruas de Jerusalém
quando, de repente, escuta o lúgubre rufar de tambores
anunciando uma crucifixão. E pensa: "Bem poderia ter sido eu...".
Ir. Mariana Morazzani Arráiz, EP
Barrabás, famoso ladrão e
assassino, o pior criminoso
que Israel conhecera, encontra-
se encarcerado na
Torre Antônia, em Jerusalém. Era então
costume entre os judeus, por ocasião
da Páscoa, conceder a liberdade
a algum preso, em memória da saída
dos israelitas do cativeiro no Egito. O
procurador romano na Judeia, Pôncio
Pilatos, propõe dois nomes para o
povo escolher: Barrabás ou Jesus.
Sergio Hollmann |
Jesus carregando a Cruz, por Simone Martini - Museu do Louvre, Paris |
Símbolo da ilegalidade, motivo
de terror para todos, cujo aprisionamento
constituía o alívio e
a segurança da região, o maior
malfeitor da época é contraposto
Àquele que perdoava os pecados,
curava leprosos, cegos e paralíticos,
ressuscitava mortos e andara
"por toda a parte, fazendo o bem"
(At 10, 38)?
Ora, qual a gratidão suscitada
por tantos ensinamentos, favores e
milagres? O populacho, a uma voz,
prefere Barrabás...
Surpresa e pânico do bandido
Podemos conjecturar a reação do
chefe da prisão ao receber a ordem
do magistrado romano de liberar
naquele mesmo dia o terrível bandido.
— Soltar esse homem por causa
de um absurdo costume judaico?
Esse criminoso vai repetir suas loucuras!
Vão se arrepender... Mas, enfim,
cabe-me só cumprir ordens. Vamos!
Desce até o calabouço do Pretório
e introduz a chave na fechadura
de uma cela. Rangendo, abre-se a
porta do repugnante recinto e o carcereiro
chama:
— Barrabás!
Com os cabelos desalinhados, o
olhar desvairado e cheio de terror,
balbucia o delinquente:
— Vou ser crucificado?!
— Não! Fora daqui! — responde
o guarda com rudeza e desgosto.
— Mas... o que vão fazer comigo?
— Fora!
Saindo, trêmulo, ainda indaga:
— O que aconteceu?
— Estás livre! Vá para a rua!
— Eu, livre? Eu, que já sentia as
cordas nas minhas mãos e experimentava
prematuramente a asfixia
da crucifixão pela qual iria morrer!
Eu, solto depois de tudo o que fiz?
Eu, Barrabás, homicida detestado
por todo o mundo?... Vou cobrir
um pouco a cabeça para não ser reconhecido
na rua... Preciso me disfarçar
para sair, pois podem me
matar. Mas... estou livre! Será possível?
Eu me apalpo e vejo que... é
verdade!
Sem rumo fixo, caminha aturdido
pelas ruas de Jerusalém quando,
de repente, escuta não muito longínquo
o lúgubre rufar de tambores:
— O que é isso? O anúncio de
uma crucifixão? Estão levando alguém
para o suplício!
Experimentando um calafrio de
pavor, suspira:
— Poderia ter sido eu... Oh, horror!
Continua em direção à turbamulta,
que está quase chegando no
Monte Calvário. Ao se aproximar,
percebe a identidade do condenado:
é Jesus de Nazaré... e vai ser crucificado!
A "oitava Palavra"
Se uma graça fulgurante de arrependimento
rasgasse a sordidez
de sua alma endurecida e nela penetrasse,
Barrabás, cheio de compunção,
ter-se-ia lançado aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, já deitado
sobre o madeiro da Cruz.
Nesse momento, o Divino Redentor
estaria experimentando
em suas divinas mãos e adoráveis
pés as inenarráveis dores ocasionadas
pela perfuração dos pregos.
Mas isso não O impediria de pousar
seu sacratíssimo olhar na figura
horrenda daquele a quem a perfídia
dos homens tinha preferido a
Ele, Jesus, o Filho de Deus, a Beleza
Infinita.
Sob o influxo de tal graça, o criminoso,
ajoelhado, diria:
— Senhor, eu deveria estar sendo
crucificado e não Vós! Vós ireis
morrer por mim quando sou eu, infame,
merecedor desse castigo por
meus pecados! Senhor, perdão por
tanta maldade! Senhor, eu me arrependo,
detesto meus crimes e quero
me assemelhar a Vós!
E o Salvador teria pronunciado
aí a primeira das Palavras, que não
mais seriam sete, como registram os
Evangelhos, mas oito; de seus divinos lábios brotaria esta manifestação
de poder, bondade e amor infinitos:
— Meu filho, vá porque teus pecados
estão perdoados! Vá porque
soubeste aceitar as graças de penitência
e de arrependimento que Eu
mesmo para ti suscitei! Vá e não peques
mais!
Somos também "barrabases"
A História não conta qual foi o
destino de Barrabás uma vez fora da prisão. Ignoramos se continuou
na esteira dos crimes e desvarios
que o caracterizavam, enchendo
novamente de sobressalto e pavor
o povo que clamara por sua libertação,
ou se houve uma conversão semelhante
à que acabamos de imaginar.
Uma coisa é certa: a cada ano,
na liturgia da Semana Santa, ao ser
mencionado o nome do bandido na
leitura da Paixão segundo São João,
vibram os corações e ardem em desejos
de vingar e reparar tamanha
ignomínia.
É justo, porém, descarregarmos
toda a nossa ira sobre o terrível criminoso,
esquecendo que fomos nós
também "barrabases" em algum
momento da vida? Não ofendemos
brutalmente o Coração de Jesus ao
cometer um pecado ou ao apegar-
-nos a um vício? E não agimos como
o povo judeu escolhendo o famoso
malfeitor, ao trocar a obediência aos
Mandamentos por uma transgressão
grave e voluntária à Lei?
Se alguma vez pecamos gravemente
contra algum Mandamento
da Lei de Deus, somos comparáveis
a Barrabás e àqueles que o preferiram
a Jesus! Deveríamos estar sendo
crucificados, quando é Ele, ao
contrário, que sofre por nós! Que
terrível verdade: ao pecar, prefiro
Barrabás como meu amigo e crucifico
a Jesus em minha alma!
David Domingues |
Crucifixão - Igreja Matriz de Matosinhos (Portugal) |
Em vista disso, o que farei?
Formular essa pergunta é fruto
de uma graça que parte de Jesus em
direção a mim. Diante dela só cabe
uma súplica à Mãe do perdão e da
divina graça, cujos rogos me obtiveram
esse benefício:
"Oh, Virgem Santíssima, minha
Mãe, dai-me a convicção de que só
existem dois caminhos: um é o de
Barrabás e outro, o de Jesus.
"Quando vosso Divino Filho voltar
no fim dos tempos para exercer o
julgamento de todos os homens, reunidos
no Vale de Josafá e não mais
no Pretório de Pilatos, a humanidade
estará dividida entre os que O quiseram
crucificar e se entregaram ao
pecado, e aqueles que aceitaram o
convite de seu divino e arrebatador
olhar, e quiseram viver sempre na
sua graça e na prática da virtude.
"Pelos méritos infinitos da Paixão,
fazei que eu esteja entre estes últimos!
"E se tiver a desgraça de Vos
ofender, que eu me aproxime, com
toda pressa, do Sacramento da Penitência
e possa, arrependido e humilhado,
ouvir aquela 'oitava Palavra'
dirigida ao hipotético Barrabás convertido:
'Vá, meu filho, minha filha,
teus pecados estão perdoados!'".
Adaptação da palestra pronunciada
por Mons. João Scognamiglio
Clá Dias, EP, em 27/5/1990
(Revista Arautos do Evangelho, Março/2015, n. 159, p. 16 à 18)